A preocupação jurídica com a regulamentação das relações de trabalho no Brasil já é octogenária. Como o direito do trabalho, da mesma forma que os demais ramos jurídicos, baseia-se em fatos (Da mihi factum, dabo tibi jus); tem evoluído ao sabor dos fatos e das visões políticas dos momentos que se sucedem.

Ultimamente, sob a égide de política de flexibilização, houve muitas alterações, tanto no âmbito legislativo, quanto no jurisprudencial. Dois bons exemplos são: (i) a Lei 13.429/2017, que ampliou significativamente o âmbito da terceirização; e (ii) a Lei 13.467/2017 (lei da reforma trabalhista), que implementou radicais modificações no direito material e no direito processual do trabalho, atingindo, inclusive, a representação sindical e modificando seu respectivo custeio.

Circunstância imprevisível, de âmbito mundial, que se tornou conhecida em inícios do corrente ano, a pandemia Covid-19, influenciaria o rumo das relações juslaboralistas no país. O desconhecimento e a falta de informação de que sofreram os países e a Organização Mundial da Saúde, fizeram com que as reações fossem e, ainda sejam, variadas e nem sempre tempestivas e concordes vis-à-vis à circulação de pessoas e ao consumo de bens e serviços, impondo forte limitação à economia. As medidas impostas no Brasil (quarentenas etc.), inobstante díspares conforme os estados e os municípios considerados, impediram ou restringiram o funcionamento de diversos segmentos econômicos, nomeadamente o comércio, a prestação de serviços em geral e parte significativa da indústria.

O impacto na economia foi imediato atingindo, primeiramente, os trabalhadores informais, que receberam benefício emergencial do governo. A seguir, o desemprego passou a rondar os empregados formais; tendo inúmeros contratos de trabalho sido rescindidos, devido à queda abrupta de faturamento das empresas. A duração indefinida da pandemia e a necessidade de salvaguardar a economia, ainda que minimamente, levou a Presidência da República a adotar medidas provisórias. Sob o aspecto formal, tal adoção respeitou integralmente o art. 62 da Constituição Federal vigente, pois se tratava de “caso de relevância e urgência”, motivado por estado de calamidade na saúde pública, atípica e imprevisível. Entretanto a escolha do conteúdo das medidas não era fácil pois, de um lado, a extrema excepcionalidade das circunstâncias pandêmicas exigiam medidas urgentes e profundas; e de outro, as características do direito brasileiro somente aceitam mudanças arquitetadas com precisão cirúrgica, para não comprometer as garantias constitucionais.

Seria necessário possibilitar a suspensão do contrato de trabalho ou a redução de salários, desde que os empregadores pagassem parte dos salários, os empregados sofressem alguma redução em seus ganhos e o Estado suportasse parte do custo dessa operação tripartite, injetando recursos na economia. A questão era que a Constituição Federal somente permite a redução de salário mediante a celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho, obviamente com a participação dos sindicatos dos trabalhadores

Retomando o dito acima sobre as reformas significativas havidas no Brasil no campo trabalhista, lembre-se a redução das fontes de custeio dos sindicatos, na medida em que as contribuições somente passaram a ser permitidas frente à autorização prévia, expressa e individual (esta última reconhecida por decisão do STF) do trabalhador.

Tal causou forte desmantelamento do sistema sindical e redução da efetiva representação dos sindicatos, pelo afastamento das categorias que não mais pagavam contribuições. O advento inesperado da pandemia e a imperiosidade de soluções extremas encontraram, após a reforma, os sindicatos diminuídos em sua representatividade e importância, com possibilidade reduzida de atender à exigência constitucional de participar efetivamente no ritual da redução de salários etc.

A solução possível encontrada pela Presidência da República foi, por meio de medida provisória, autorizar suspensão contratual e redução salarial, por simples aditamento ao contrato de trabalho, sem participação sindical. Essa solução, como não poderia deixar de ser, interessou sindicatos, juristas e os Poderes Judiciário e Legislativo, tendo chegado ao Supremo Tribunal Federal. Liminarmente, houve determinação que se comunicasse aos sindicatos, abrindo prazo para manifestação de eventual desejo de iniciar negociação coletiva. Os empresários vislumbraram forte insegurança jurídica nessa decisão e retraíram-se na utilização desse meio. Agilmente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal apreciou, em cognição sumária, a referida ação direta de inconstitucionalidade e concluiu pela excepcionalidade das circunstâncias atuais, reconhecendo a constitucionalidade das medidas provisórias adotadas pela Presidência da República; trazendo assim uma nova realidade ao direito do Trabalho, ainda que como ocorrência passageira.

Apesar de representar um alento às empresas e aos trabalhadores, há de se ter, contudo, redobrado cuidado na precisa e correta aplicação das disposições consignadas nas Medidas Provisórias 927 e 936, observando os limites nelas impostos. Não se esqueça que tais medidas, inobstante o acima asseverado, ainda exigem a presença dos sindicatos em determinados modos de redução de salários e de suspensão dos contratos de trabalho.

É importante fomentar a discussão em tela, pois há muito o que esclarecer não somente no tocante às medidas provisórias 927 e 936, mas também nos impactos das ADIs 6342 e 6363 sobre os mecanismos legais de enfrentamento do Covid-19. Ao assim se fazer, estar-se-á, a um tempo, discernindo entendimentos que possam equacionar, mais justa e eticamente, problemáticas correntes; como preparando as bases de um direito trabalhista mais consentâneo com a realidade.

Muito provavelmente, toda a preocupação em busca do equacionamento de regras trabalhistas aceitáveis para o atual momento excepcional, mostrará a necessidade de dotar-se o direito do trabalho de permanente flexibilidade relativa, preservadas as garantias fundamentais.


Fonte: Conjur