RESUMO

Este artigo analisa a responsabilidade civil e sua possível evolução para a responsabilização penal no contexto da logística reversa, conforme estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). Considerando o Código Civil, o Código Penal, a Lei de Crimes Ambientais e a Constituição Federal, investiga-se o arcabouço normativo que impõe obrigações e sanções aos agentes da cadeia de resíduos. Por meio de revisão bibliográfica e normativa, demonstra-se que a responsabilização civil objetiva pode se desdobrar em sanções penais quando houver dolo, culpa ou omissão qualificada. A análise aponta para a importância do Direito como instrumento de controle ambiental e indução à economia circular.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Responsabilidade penal. Logística reversa. Sustentabilidade. Direito ambiental.

ABSTRACT

This article analyzes civil liability and its possible evolution into criminal liability in the context of reverse logistics, as established by the National Solid Waste Policy (Law No. 12.305/2010). Considering the Civil Code, the Penal Code, the Environmental Crimes Law, and the Federal Constitution, this study investigates the legal framework that imposes obligations and sanctions on agents of the waste chain. Through bibliographical and legal review, it is demonstrated that strict civil liability may result in criminal sanctions when intent, negligence, or qualified omission is present. The analysis emphasizes the importance of Law as an instrument of environmental control and a promoter of the circular economy.

Keywords: Civil liability. Criminal liability. Reverse logistics. Sustainability. Environmental law.



INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, introduziu o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, sendo a logística reversa uma de suas principais ferramentas. A destinação inadequada de resíduos sólidos impõe sérios riscos à saúde e ao meio ambiente, exigindo mecanismos jurídicos eficazes de prevenção, reparação e punição.

Neste artigo, examina-se a responsabilidade civil objetiva, fundamentada nos arts. 186 e 927 do Código Civil, e a possibilidade de sua evolução para a esfera penal, conforme o art. 225, §3º da Constituição Federal, o Código Penal e a Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). O objetivo é demonstrar como o Direito pode assegurar a efetividade da PNRS e coibir condutas danosas.


RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E COMPARTILHADA NA PNRS

Nos termos do art. 927 do Código Civil, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem é obrigado a repará-lo. No contexto ambiental, essa responsabilidade é objetiva, dispensando a demonstração de culpa:

> "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. [...] Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." (BRASIL, 2002).

A Lei nº 6.938/81, em seu art. 14, §1º, consolida essa responsabilidade objetiva e solidária:

> Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.

Além disso, a PNRS, em seu art. 33, estabelece a obrigatoriedade da logística reversa para determinados produtos, como pneus, baterias, eletroeletrônicos e embalagens em geral. O não cumprimento dessa obrigação gera consequências jurídicas diretas, inclusive indenizatórias.


EVOLUÇÃO PARA A RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL

A responsabilidade penal ambiental está prevista no art. 225, §3º da Constituição Federal, segundo o qual:

> As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A Lei nº 9.605/1998, que regulamenta esse dispositivo, dispõe sobre os crimes contra o meio ambiente e prevê penas de reclusão, detenção e multa para condutas como lançamento de resíduos sólidos em desacordo com exigências legais (art. 54, §2º, V).

Nesse sentido, Fiorillo (2022) alerta que a omissão em estruturar sistemas de logística reversa, quando resultar em dano ambiental, pode configurar crime ambiental por omissão imprópria, também conhecido como crime comissivo por omissão. Segundo ele:

> “O agente que, tendo o dever legal de agir, omite-se, e com isso permite a ocorrência do resultado típico, incorre nas mesmas penas aplicáveis ao autor direto do crime ambiental. Tal responsabilidade penal não se exclui mesmo diante da reparação civil do dano.” (FIORILLO, 2022, p. 315).

Esse entendimento é reforçado por decisões judiciais que reconhecem a responsabilização penal de diretores e gerentes de empresas pela ausência de medidas preventivas, mesmo quando o dano decorre de terceiros ou de omissões coletivas.

INTEGRAÇÃO ENTRE OS REGIMES DE RESPONSABILIDADE: CIVIL, ADMINISTRATIVO E PENAL

No ordenamento jurídico brasileiro, os regimes de responsabilidade não se excluem, mas se complementam. A responsabilidade civil visa à reparação; a administrativa, à sanção disciplinar; e a penal, à reprovação do ilícito.

Milaré (2021) observa que a tríplice responsabilização ambiental é expressão do princípio da função socioambiental da empresa:

> “As sanções civis, penais e administrativas operam como instrumentos complementares, de modo que a absolvição em uma esfera não impede a responsabilização nas demais, desde que os fundamentos jurídicos não sejam os mesmos.” (MILARÉ, 2021, p. 227).

Essa visão é reforçada pela jurisprudência do STJ, que admite a continuidade das esferas de responsabilização, mesmo com acordo ou compensação civil celebrada previamente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade civil no contexto da logística reversa é um dos pilares da efetividade da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Sua natureza objetiva e solidária confere ao Estado e à sociedade mecanismos eficazes para responsabilizar aqueles que contribuem para a degradação ambiental por ação ou omissão.

Contudo, quando a omissão é grave, reiterada ou dolosa, a responsabilização penal torna-se juridicamente viável e socialmente necessária, sob pena de impunidade. A tríplice responsabilização ambiental é um dos grandes avanços do ordenamento jurídico brasileiro e deve ser aplicada de forma coordenada, garantindo justiça, prevenção e reparação.

Recomenda-se, por fim, o aprimoramento das políticas públicas de logística reversa, com fiscalização efetiva, incentivos à economia circular e fortalecimento da educação ambiental. A aplicação integrada dos dispositivos do Código Civil, do Código Penal, da PNRS e da Lei de Crimes Ambientais pode transformar a responsabilização jurídica em ferramenta estratégica de transformação social.


MARCELO APARECIDO BARRACA

OAB 239.424-E


REFERÊNCIAS


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.


BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.


BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente.


BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.


BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.


BRASIL. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei nº 12.305/2010.


FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.


MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.


MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.



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Fonte: TCC - MARCELO APARECIDO BARRACA