A aplicação de falta disciplinar grave a detentos que fazem tatuagens no ambiente prisional tem gerado divergências entre as Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo. A questão não está pacificada na Corte paulista.

123RFTJ-SP diverge sobre falta disciplinar a detento que faz tatuagem na prisão

Um levantamento do Centro de Apoio da Seção de Direito Criminal do TJ-SP, com julgamentos de novembro de 2020 a abril de 2021, mostrou dez decisões em que a confecção da tatuagem foi entendida como conduta atípica e outras sete em que se considerou conduta típica.

Dos 17 casos analisados, em quatro não havia informações sobre o tatuador, em oito o detento fez a tatuagem em si próprio, e em cinco a tatuagem foi confeccionada por outro preso (sendo que em quatro desses o tatuador já havia sido transferido a outra unidade prisional).

Sem previsão legal para punir
A 2ª Câmara de Direito Criminal reformou decisão do juízo de Execução Penal, que havia reconhecido a prática de falta grave por um detento. Para o relator, desembargador Luiz Fernando Vaggione, a diretoria do presídio não tem competência legislativa para criar novas faltas disciplinares graves.

De acordo com Vaggione, a confecção de tatuagem na prisão configura conduta atípica, pois não se adequa à infração disciplinar de natureza grave prevista no artigo 50, inciso VI, e no artigo 39, incisos II e V, ambos da Lei de Execução Penal.

"A conduta praticada pelo reeducando (fazer tatuagem em si no interior de estabelecimento prisional) não configura inexecução das ordens recebidas ou desobediência a servidor, tampouco encontra expressa previsão em qualquer outra hipótese legal de falta disciplinar de natureza grave. O agravante não foi encontrado na posse de qualquer instrumento ou petrecho utilizado para confecção de tatuagem", disse.

Mais absolvições
O desembargador Tristão Ribeiro, da 5ª Câmara de Direito Criminal, disse que o fato de o preso ostentar uma tatuagem nova, confeccionada por outro detento, "não configura, por si só, falta disciplinar, muito menos de natureza grave", mesmo porque tal conduta não se encontra prevista no rol do artigo 50, da Lei de Execução Penal.

O desembargador Guilherme de Souza Nucci, da 16ª Câmara de Direito Criminal, lembrou que as faltas graves guardam relação com os princípios da legalidade e taxatividade, dependendo de lei para a sua tipificação. Além disso, ele ressaltou que o artigo 39, incisos II e V, da LEP, impõe ao reeducando o dever de obediência e execução do trabalho e ordens recebidas.

"No caso em tela, inexistiu qualquer ato de desobediência por parte do reeducando, porquanto nenhuma ordem foi emanada pelos agentes penitenciários. Ao contrário, quando estes questionaram sobre a confecção da nova tatuagem, o detento confirmou tal fato e foi levado ao pavilhão disciplinar sem qualquer resistência ou intenção subversiva", afirmou.

Nucci também destacou que as tatuagens do sentenciado não são ofensivas nem denotam qualquer apologia ao crime, conforme fotos anexadas aos autos. Conforme o magistrado, a Secretaria de Administração Penitenciária não possui competência para especificar quais seriam as faltas disciplinares leves e médias: “Isso porque o artigo 49 da LEP dispõe competir à legislação local defini-las”.

Desobediência comprovada
Com entendimento diferente, a 6ª Câmara de Direito Criminal validou a falta disciplinar aplicada a um detento por fazer uma tatuagem. "O sentenciado desobedeceu a ordens no presídio, ao tatuar seu corpo. Tal conduta deve ser punida, não podendo o Estado permitir que tais práticas sejam comuns dentro dos presídios que sequer possuem condições sanitárias adequadas", disse o relator, desembargador Marcos Corrêa.

Na visão do magistrado, a execução penal tem por objetivo permitir ao condenado a reinserção gradativa na sociedade. Logo, afirmou Corrêa, "a autodisciplina e o senso de responsabilidade são condutas imperiosas" durante o cumprimento da pena.

"Sobre a tipicidade da conduta, sem razão a defesa, pois o agravante está sendo punido por sua desobediência às regras do presídio no tocante à proibição de se tatuar e não por possuir instrumentos para confecção de tatuagem. Com efeito, a proibição à confecção de tatuagem visa à garantia da saúde e integridade física dos demais detentos", completou.

Manutenção da ordem
O desembargador Álvaro Castello, da 3ª Câmara de Direito Criminal, foi na mesma linha e disse que a observância e o respeito às normas institucionais "são medidas corriqueiras e necessárias na rotina dos presídios". Assim, para ele, a "desobediência injustificada" do sentenciado deve ser punida "para a manutenção da ordem".

"Assim, ao contrário da afirmação defensiva, a conduta é formal e materialmente adequada e proporcional ao desvalor da falta grave, não havendo como reconhecer sua insignificância, insuficiência e, tampouco a desclassificação", afirmou Castello.

O desembargador Willian Campos, da 15ª Câmara de Direito Criminal, também falou da necessidade de manter a ordem e a disciplina nas unidades prisionais. "Atos de conduta insolente, ameaçadora, desobediências, rebeldia, insubordinação, dentre outros, sempre serão faltas disciplinares graves e não de natureza média", afirmou.

Segundo Campos, uma das finalidades da pena é proporcionar uma harmônica integração social do condenado. "Mas sua reinserção na sociedade só será alcançada quando ele respeitar a lei, em especial, como reeducando, a Lei de Execução Penal", acrescentou o magistrado ao concluir que a confecção de tatuagem na prisão configura violação ao artigo 50, inciso VI, e ao artigo 39, inciso V, da LEP.

0005599-47.2020.8.26.0509
0008916-47.2020.8.26.0026
0004072-60.2020.8.26.0509
0000115-46.2021.8.26.0079
0010020-22.2020.8.26.0496
0000384-95.2021.8.26.0496
0006594-54.2020.8.26.0026
0004765-44.2020.8.26.0509
0005495-49.2020.8.26.0026
0001631-77.2018.8.26.0509
0000839-60.2021.8.26.0496
0005371-72.2020.8.26.0509
0009617-53.2020.8.26.0496
0001236-56.2021.8.26.0032
0003957-39.2020.8.26.0509
0009226-53.2020.8.26.0026
0000955-66.2021.8.26.0496


Fonte: CONJUR